quinta-feira, 10 de outubro de 2024

A divindade de Jesus: nos Sinóticos e em João

Há algum tempo, troquei mensagens com um amigo judeu sobre a divindade de Jesus. Sintetizo um de seus argumentos centrais: a ideia de Jesus como divindade não é apresentada nos Evangelhos Sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas). Apenas o Evangelho de João daria "sinais de divindade" a Jesus.

O texto abaixo não pretende ser exaustivo, mas sintetizar aquela que foi minha resposta a ele e oferecer alguns insights.

Esse tipo de conceito recebe o nome de cristologia baixa (nos Sinóticos) versus cristologia alta (em João).

Entretanto, discordo dessa ideia de que os Sinóticos apresentam uma cristologia baixa, ou seja, a de que Jesus, para Mateus, Marcos e Lucas, não era Deus encarnado, mas um messias humano pouco acima de um profeta.

A divindade de Jesus é mais clara e evidente em João porque ele é mais tardio e foi disseminado num momento em que os outros três já haviam circulado amplamente entre as comunidades cristãs da época. Além disso, João viu a necessidade de oferecer algumas explicações aos dizeres e acontecimentos dos Sinóticos e, também por ser mais tardio, não repisou as mesmas coisas; antes, decidiu contar outros fatos e histórias que os outros três não tinham abordado. Ponho isso na conta da revelação progressiva.

Revelação progressiva

Nos Sinóticos, a revelação da divindade de Jesus é construída. Vai num crescente, especialmente em Marcos, que é o primeiro. Não é ambígua, sutil ou indireta. É argumentada, construída. Eles estão escrevendo a uma comunidade que está sendo ensinada. João foi escrito cerca de 25 anos depois dos Sinóticos. Essa ideia já estava consolidada entre os cristãos. Ele sentiu-se à vontade para ser mais explícito. Quem consolidou essa ideia? Quem espalhou isso na comunidade cristã antes da literatura joanina? Ora, por dedução, Paulo e os Sinóticos. Isso é revelação progressiva.

João está escrevendo a judeus e prosélitos, não necessariamente a cristãos. Portanto, ele está argumentando à comunidade judaica uma ideia que na comunidade cristã já estava consolidada: Jesus é o Messias, o Filho de Deus (Jo 20:30-31). Ele está tentando convencer judeus de algo que entre cristãos já era pregado e crido.

Divindade nos Sinóticos

Nos trechos abaixo, não há ambiguidade sobre a natureza divina do Nazareno.

Jesus se identificou como Adonai (Mt 22:41-45; Mc 12:35-37). Afirma ter autoridade para perdoar pecados (Mt 9:6), algo que só Deus poderia fazer. Mateus usa um trecho do Antigo Testamento para se referir a Jesus como "Deus conosco" (Mt 1:23). João vai "adiante do Senhor" (Lc 1:17). Isabel se refere a Maria como a "mãe do meu Senhor" (Lc 1:43). Os anjos, ao anunciarem o nascimento de Jesus aos pastores, se referem a Ele como "Cristo, o Senhor" (Lc 2:11).

A base sobre a qual se erguem os Sinóticos é a expressão "Filho de Deus". É assim que Jesus é apresentado (Mc 1:1), reconhecido (Mt 16:16) e por isso Ele é condenado pelo Sinédrio (Mc 14:61-64). Apesar de não ser um Sinótico, o fato de João expressar que esse termo traz embutido a ideia de "fazer-se igual a Deus" (Jo 5:17-18) mostra que naquela cultura, para aqueles judeus, Jesus estava se apresentando e sendo reconhecido como igual a Deus.

Jesus foi crucificado por Roma, mas a pedido do Sinédrio. A relutância de Pilatos é, em parte, evidência de que Roma não o via necessariamente como um revolucionário perigoso, não como via zelotes, por exemplo. Os casos no NT em que a liderança judaica se ofendeu com as alegações divinas de Jesus mostram que para o Sinédrio, pelo menos, Jesus era visto como alguém que alegava ser igual a Deus (Jo 5:18; Jo 8:58-59; Mc 2:2-12; Mt 12:8; Lc 5:34-35; Mc 14:61-64).

Além disso, os milagres de Cristo sobre a natureza (multiplicar pães - Jo 6:6-13; Mc 8:1-9 - a pesca milagrosa - Lc 5:4-11 - e em especial acalmar a tempestade - Mc 4:37-41, 6:51; Lc 8:22-25 - etc.) são claras teofanias, tentativas dos evangelistas de associar Jesus a mais que um profeta.

Desta forma, os Evangelhos Sinóticos oferecem uma construção gradual e argumentada da divindade de Jesus, de forma que a sua natureza divina não é menos presente do que no Evangelho de João, apenas revelada de maneira progressiva. João, por ser um evangelho mais tardio, pôde ser mais explícito em sua cristologia, enquanto os Sinóticos apresentam essa revelação da divindade de Jesus de forma construída, visando preparar suas comunidades para a plena compreensão da identidade de Jesus. A ideia de "cristologia alta" e "cristologia baixa" simplifica um processo teológico que, nos Sinóticos, é claro e intencional. Portanto, a divindade de Jesus está presente em todos os evangelhos, embora com abordagens diferentes conforme o contexto e o público-alvo de cada um.

Imagem: pexels

terça-feira, 30 de maio de 2023

Vara: disciplina positiva, a Bíblia e o livro de Provérbios - um estudo morfológico da palavra shebet

Depois da pausa de alguns meses por causa da vida offline, retomo as publicações no blog.

Parte das minhas reflexões desde o ano de 2019, quando intensifiquei a leitura sobre a criação de filhos e o desenvolvimento infantil, foi a questão da disciplina. Talvez você tenha chegado a esse texto digitando no Google “o que a Bíblia fala sobre disciplina de filhos”, ou “o que a Bíblia fala sobre ‘vara’ e o castigo de filhos”, ou ainda “há base bíblica para a aplicação da ‘disciplina positiva’?”. Se você não está familiarizado com o tema, resumo: o conceito central da disciplina positiva é disciplinar uma criança sem o uso de "violência física", usando de firmeza e gentileza.

O tema é amplo e há muita desinformação na internet e nas redes sociais. Entretanto, não entrarei em minúcias tentando aprofundar o tema e as técnicas neste texto. Não teríamos tempo tampouco eu teria a erudição necessária para apresentá-lo com excelência. Restrinjo-me, neste aspecto, a indicar dois livros sobre o assunto que li porque me foram indicados: Disciplina Positiva, de Jane Nelsen; e Disciplina Positiva para crianças de 0 a 3 anos, da mesma autora.

Contudo, ao ler os livros lembrei de uma série de versículos bíblicos no livro de Provérbios que parecem indicar que a correção física, ou seja, bater em criança desobediente, é a disciplina e correção que o Senhor espera de nós enquanto pais.

São estes os versículos: Pv 13:24; 22:15; 23:13-14; 29:15 (ver também Pv 10:13; 22:8; 26:3).

Esse tema ficou martelando na minha cabeça por algum tempo e decidi fazer um estudo morfológico da palavra "vara" no Antigo Testamento. Nos versículos acima a palavra hebraica usada é shebet. Há uma outra palavra usada na Bíblia que é traduzida como vara: mateh. Obs.: obviamente a escrita das palavras está transliterada e não nos caracteres originais hebraicos. Como a minha intenção é entender os versículos acima, me detive apenas na palavra shebet.

De maneira geral, se pudermos organizar em um silogismo o raciocínio dos pais cristãos que justificam criar seus filhos usando da correção física, teremos algo assim:

  1. A Bíblia defende que se deve bater em criança como forma de disciplina.
  2. Não bater nos filhos desobedientes é criar com permissividade.
  3. Bons cidadãos são aqueles que apanharam na infância.
  4. Se eu não bater em meus filhos estarei desobedecendo e demonstrando infidelidade a Deus.
  5. Se eu não bater nos meus filhos eu não o ajudarei a desenvolver autocontrole.
  6. Bater em criança deve ser precedido de repreensão para que a criança entenda por que está apanhando. Se não, é apenas violência injustificada/vingança.

LOGO, devo bater nos meus filhos para criá-los adequadamente segundo a instrução bíblica e a vontade de Deus.

"LOGO" é a conclusão. 1 a 6 são as premissas. Se uma ou mais dessas premissas for negada, a conclusão não é válida.

Alguns pontos que eu elenquei para me guiar nesse estudo:

a) Preciso descobrir se o uso da palavra shebet em Provérbios é figurativo ou literal.

b) Toda verdade é verdade de Deus, como já escreveu o pastor R.C. Sproul citando Santo Agostinho (texto de referência no final). Isto é, o importante é descobrir a verdade dos fatos e da realidade. A fonte da verdade pode ser a Palavra de Deus, mas também pode ser a ciência, os costumes, a filosofia ou, ainda, a cultura. A verdade sempre vai ser imperativa e nunca se contradirá à Bíblia. Se, por um acaso, eu achar algo verdadeiro que está em contradição com a Bíblia, devo me aprofundar no assunto e estudá-lo porque, muito certamente, ou aquela "verdade" não é verdade ou a interpretação que eu estou fazendo da Bíblia está equivocada.

c) Disciplinar um filho é necessário, mas igualmente necessário é descobrir a melhor forma de fazer isso.

d) Mais importante que conformar meu filho a um determinado comportamento é ensiná-lo na instrução e conselho do Senhor, sem irritá-lo (Ef 6:4), ajudando-o a desenvolver o fruto do Espírito, dentre os quais está o domínio próprio (Gl 5:22-23).

Isto posto, vamos ao que eu encontrei.

I. As ocorrências bíblicas

Para consultar as ocorrências da palavra shebet no original hebraico usei a concordância do vocábulo no site www.blueletterbible.org. A versão em inglês consultada foi a King James Version (KJV). Por uma questão de similaridade no método de tradução, a versão usada em português para estas ocorrências foi a Almeida Corrigida Fiel (ACF). Obs.: tanto a KJV quando a ACF traduzem o texto hebraico por equivalência formal e, portanto, são traduções mais literalistas (palavra por palavra). Salvo engano, também usam o mesmo conjunto de manuscritos hebraicos, o texto massorético.

A palavra ocorre 190 vezes no Antigo Testamento, distribuídas em 178 versos. Destas, na ACF, o vocábulo é traduzido 131 vezes como "tribo", 36 como "vara", 10 como "cetro" e 1 como "dardo".

Vê-se, portanto, que ela não tem, majoritariamente, o significado de "vara". O que não surpreende uma vez que um vocábulo pode ter mais de um significado. A própria palavra "vara" possui diversos significados em português (p.ex. pedaço de madeira, vara de pescar, circunscrição judicial, etc). Logo, é o contexto que determinará qual a melhor tradução.

Portanto, para nossa análise é importante se deter nos versículos onde shebet é traduzido como "vara" na ACF.


As 36 ocorrências traduzidas como "vara" são: Êx 21:20; Lv 27:32; 2Sa 7:14; 23:21; 1Cr 11:23; Jó 9:34; 21:9; 37:13; Sl 2:9; 23:4; 74:2; 89:32; Pv 10:13; 13:24; 22:8, 15; 23:13-14; 26:3; 29:15; Is 9:4; 10:5, 15, 24; 11:4; 14:29; 28:27; 30:31; Jr 10:16; Lm 3:1; Ez 20:37; 21:10, 13; 37:19; Mq 5:1; 7:14.

II. O significado e o emprego da palavra

O dicionário Vine, no verbete "Tribo", expõe que shebet traz em seu significado, quando traduzido como "vara" ou "cetro", a ideia de um "símbolo de autoridade nas mãos de um soberano".

A ideia de "símbolo", portanto, nos ajudará a entender se em Provérbios o verbete deve ser interpretado literalmente ou não.

Sendo usada em sentido literal, shebet é um instrumento capaz de matar (Êx 21:20; 2Sa 18:14). Em outros trechos bíblicos, quando o sentido é claramente não é literal o "aplicador da vara" é o próprio Deus (p.ex. 2 Sa 7:14; Jó 21:9) ou então ela tem o significado de expressar a autoridade de alguém (p.ex. Gn 49:10; Jz 5:14).

Sendo, portanto, no sentido literal, um instrumento capaz de matar alguém, se Pv 23:13-14 for entendido literalmente parecerá contradizer Êx 21:20. Em Provérbios pode-se ler: "Não retires a disciplina da criança; pois se a fustigares com a vara, nem por isso morrerá. Tu a fustigarás com a vara, e livrarás a sua alma do inferno." ACF

A palavra traduzida aqui por inferno é "sheol", que também pode ser traduzida por "sepultura" (vide tradução da Nova Versão Internacional - NVI).

Se entendemos que na Bíblia não encontramos contradições, podemos deduzir com razoável certeza que Pv 23:13-14 não deve estar usando a palavra literalmente, uma vez que, se estivesse, contradiria Êx 21:20. Inclino-me a entender o uso da palavra como a figura de linguagem "simbologia" em parte pela própria definição do Dicionário Vine. Não há motivo para acreditar que seu uso figurativo seja descartado no restante do livro de Provérbios. A "vara" pode, portanto, ser entendida como um "símbolo de autoridade" quando empregada em Provérbios.

III. Criança?

Outra coisa que chama a atenção é uso da palavra "criança" em Pv 22:15; 23:13 e 29:15.

O termo hebraico usado aqui é na'ar. Essa palavra pode ser traduzida tanto como criança quanto como jovem. Moisés é um na'ar ainda bebê (Êx 2:6). José ainda era na'ar aos 17 anos (Gn 37:2). Para uma discussão mais extensa, ver link ao fim deste artigo.

No livro de Provérbios, logo no início, é estabelecido o objetivo e o público alvo:

"Provérbios de Salomão, filho de Davi, rei de Israel; para se conhecer a sabedoria e a instrução; para se entenderem, as palavras da prudência. Para se receber a instrução do entendimento, a justiça, o juízo e a eqüidade; para dar aos simples, prudência, e aos MOÇOS, conhecimento e bom siso" Pv 1:1-4 (ACF)

A palavra "moços' em hebraico nos versículos acima é na'ar. Outras traduções vertem o vocábulo como "jovem" (NVI, ARA, NVT).

Ela ainda ocorre outras 6 vezes no livro: 7:7; 20:11; 22:6, 15; 23:13; 29:15. Destes, na ACF, apenas 7:7 é traduzido como moço/jovem. Os outros versos trazem "criança". Obs.: a tradução da Bíblia de Jerusalém também traduz na'ar como "jovem" em Pv 20:11.

Ora, o próprio tradutor entendeu que o livro de Provérbios se direciona a dar sabedoria aos jovens, mas traduz na'ar como criança em Pv 22:15; 23:13 e 29:15. Apesar de ser uma tradução possível e razoável, ela não é a única possibilidade. E dado o próprio direcionamento do livro de Provérbios em 1:4 e a natureza de diversos provérbios neste livro, talvez "jovem" seja não só uma tradução razoável como provável para Pv 22:15; 23:13 e 29:15.

Logo, se, e somente se, esses versículos de Provérbios autorizarem “bater" como método de disciplina, é possível supor que se aplica a jovens e não a crianças.

IV. Correção, disciplina, instrução.

Em Pv 22:15 há a expressão "vara da correção" (ACF, "vara da disciplina" na NVT, NVI e ARA). O termo traduzido como disciplina ou correção aqui é muwcar e ocorre 50 vezes na Bíblia, 30 só no livro de Provérbios: 1:2-3, 7-8; 3:11; 4:1, 13; 5:12, 23; 6:23; 7:22; 8:10, 33; 10:17; 12:1; 13:1, 18, 24; 15:5, 10, 32-33; 16:22; 19:20, 27; 22:15; 23:12-13, 23, 32.

Muwcar pode também ser traduzido como "instrução" - você pode conferir em diversos versículos acima.

Isso implica dizer que essa é outra palavra com possibilidades várias de tradução. Logo, a "vara da correção" ou "vara da disciplina" também pode ser traduzida como "vara da instrução" e, ainda, entendida como "autoridade pra instruir" ou "instruir com autoridade".

V. Estilo literário do livro de Provérbios

Uma coisa que precisa ser dita também sobre este assunto é que o livro de Provérbios não é uma livro de instruções ou de profecias ou mesmo de promessas. São observações gerais acerca da vida em geral. Ditados que tem mais o sentido de "na maioria das vezes, dada esta situação, pessoas que fazem ISSO se saem melhor". Este "ISSO" varia, contudo, de acordo com cada provérbio. Como bem expressou a Bíblia de estudo NVT na sua Introdução ao livro: "No antigo oriente próximo, ditados sábios eram reunidos em livros (como provérbios) a serem consultados sempre que fosse necessário obter orientação em determinada situação. O objetivo dos ditados era conduzir as pessoas a atitudes corretas (...) Um provérbio expressa uma consideração, uma observação ou um conselho popularmente aceito como verdade geral".

A Bíblia de Estudo de Genebra, na sua introdução também informa que o livro de Provérbios "muitas vezes é interpretado de modo equivocado como um livro que contém promessas (...) Apesar de o livro descrever a prosperidade como uma bênção da sabedoria, vários dos benefícios mencionados não passam de observações acerca do transcurso natural dos acontecimentos."

"Provérbios é o lugar primário da 'sabedoria prudencial' - ou seja, aforismos memoráveis que as pessoas podem usar para ajudá-la a fazer escolhas responsáveis na vida. (...) Em hebraico, os provérbios são chamados de meshallin ("figuras de linguagem", "parábolas" ou "ditados especialmente elaborados"). Um provérbio, portanto, é uma expressão breve e específica de uma verdade. Quanto mais breve for uma declaração, haverá menos probabilidade de que ela seja aplicável de forma exata e universal. (...) o provérbio não é uma promessa categórica, sempre aplicável, revestida de aço, mas sim uma verdade mais geral." Entendes o que lês, páginas 278 a 281.

Se um provérbio fosse "sempre aplicável" e "revestido de aço", provérbio como o contido em 22:6 ("Ensine seus filhos no caminho certo, e, mesmo quando envelhecerem, não se desviarão dele.") implicariam dizer que filhos de crentes devotos e que muito bem ensinaram seus filhos jamais apostatariam. Por outro lado, também não haveria esperança para filhos de descrentes virem a pertencer à família da fé.

VI. Conclusão

Após discorrer sobre este assunto e apresentando as evidências e análises escriturísticas acima, podemos chegar a traduções alternativas fielmente embasadas (ou mesmo paráfrases bastante razoáveis que revelam o melhor sentido do texto) para os versículos de Provérbios mais comumente usados para justificar bater em crianças:

Pv 13:24

 "Aquele que não faz uso da sua autoridade odeia seu filho, mas aquele que o ama, desde cedo o instrui."

Pv 22:15

"A insensatez está ligada ao coração dos jovens, mas a instrução dada com autoridade a afugentará deles."

Pv 23:13-14

"Não deixe de instruir o jovem; pois usar a tua autoridade não vai matá-lo. Ao usares de autoridade tu livrarás a alma dele da morte."

Pv 29:15

"O jovem que é instruído e corrigido se torna sábio, mas o jovem entregue a si mesmo, envergonha a sua mãe."

Note que não estou dizendo que as traduções bíblicas que temos em mãos estão erradas, mas apresento uma alternativa para estes textos analisados. Uma alternativa que não brota da minha cabeça ou que força uma conclusão, mas que parte da evidência da Escritura e, a partir dela, oferece um outro entendimento.

Um entendimento que tenta oferecer um pouco de alento a pais cristãos devotos que se sentem impelidos a não usar de violência física para corrigir seus filhos, mas que são diuturnamente pressionados para aplicar palmadas, cintos ou chinelos como método de correção.

Não advogo uma criação permissiva. Os pais não devem deixar que a insensatez crie raízes no coração de seus filhos. Tampouco permitir que a criança ou jovem fique entregue a si mesma(o). Que usem, contudo, outros instrumentos que não a violência física: a instrução, a exortação, o exemplo, a orientação.

Onde está o limite da dor física de uma criança? Ela estará se conformando a um comportamento porque entendeu o certo ou porque está com medo da punição? "Ah, mas eu explico antes de bater". Você tem certeza de que a criança entendeu ou ela está com medo da "surra"? Nós, adultos, por vezes não entendemos algo errado? Será que violência nos faria entender certo? Por que com uma criança seria diferente?

Certa vez escutei a seguinte frase de um colega de trabalho: "Se descobríssemos hoje que estamos fazendo algo de maneira errada ou ineficiente há 15 anos, continuaríamos a fazer porque 'sempre fizemos assim?'" Descartaríamos uma forma mais eficiente porque a ineficiência virou costume? Ora, se há uma forma de disciplinar nossos filhos sem recorrer a violência física e que produza bons resultados, por que não usá-la?

Por fim, convém destacar, em relação ao silogismo oferecido no início deste texto: nos propomos aqui a negar as premissas 1, 2 e 4 a partir deste estudo. Acreditamos que resta demonstrado que a conclusão do silogismo não é uma conclusão válida/verdadeira a se extrair da evidência bíblica, como poderia parecer a princípio.

É possível criar sem bater e, ainda assim, seguindo as instruções bíblicas e do Senhor.

Toda verdade é a verdade de Deus

Who are you calling boy?

Imagem: claro! 

domingo, 18 de dezembro de 2022

Devocional - Isaías 9:6 - Um Messias para toda a humanidade

"Pois um menino nos nasceu, um filho nos foi dado. O governo estará sobre seus ombros, e ele será chamado de Maravilhoso Conselheiro, Deus Poderoso, Pai Eterno e Príncipe da Paz".

Isaías 9:6, NVT

Em Isaías 9:6 temos uma das promessas messiânicas mais conhecidas da Bíblia. Neste versículo vemos a promessa de um Messias, o Ungido de Deus, que parte de uma etnia essencialmente marginal, periférica, lateral (os judeus) para toda a humanidade.

Sua origem judaica se destaca a partir da ascendência davídica (9:7; 11:1). Um presente que é dado a toda humanidade, fato este revelado na glória que encherá a "Galileia dos gentios" (9:1). Como destaca André Reinke no livro "Aqueles da Bíblia", p. 443, a Galileia, desde o início do exílio até a época dos Macabeus, foi continuamente povoada por estrangeiros.

Judeu e galileu ao mesmo tempo: um Messias que abarca todas as pessoas do mundo. O Messias universal previsto em Isaías.

Os 4 títulos apresentados revelam a natureza divina do Messias. O Ungido é o Deus forte e poderoso que sempre acompanhou Israel e que por meio do Messias estende Sua graça a todos os povos. Ele é o Pai eterno que cuida de Seus filhos e cujo governo trará paz. Ele é um Maravilhoso Conselheiro que cuida, aconselha, orienta e dirige Seu povo. Título este, acrescento, que me remete ao ministério do Espírito Santo, o Consolador, conforme revelado no Novo Testamento (cf. Isaías 11:2).

Jesus de Nazaré é o Ungido de Deus (Cristo significa "Ungido" em grego). Ele atende a todos os requisitos da profecia de Isaías. Um judeu que vem da Galileia. Um descendente de Davi. Aquele em quem a Trindade se revela. Sua natureza divina é alegada, defendida, testemunhada e evidenciada. Seu Reino, Governo, Principado não é bélico, mas de paz, amor, compaixão e misericórdia.

Ele é o Rei dos Reis e Senhor dos Senhores.

 Feliz Natal a todos nós.

Imagem: Flickr.

domingo, 4 de dezembro de 2022

Lit: um guia cristão para a leitura de livros - um breve review


Conforme comentado na última postagem (Como escolher e avaliar um bom livro?), neste texto falaremos um pouco sobre o livro Lit: um guia cristão para a leitura de livros, de Tony Reinke.

O livro é focado em orientações acerca do hábito de ler literatura, isto é, obras de ficção, e se divide em duas partes.

A primeira, “Uma teologia dos livros e da leitura”, foca numa parte, digamos, mais filosófica do hábito de ler. Acho bastante salutar este tipo de abordagem porque cristãos, muitas vezes e em especial evangélicos, são um tanto reticentes ao se aproximar de livros de ficção.

Na segunda parte, “Alguns conselhos práticos sobre a leitura de livros”, o autor traz alguns tópicos e dicas para a aplicação da leitura e o aprofundamento do assunto. Afinal, não basta ter apenas a “filosofia” acerca do hábito: é preciso praticá-lo.


Há vários trechos do livro que me chamam a atenção, mas dois em especial eu gostaria de trazer aqui.

Ler em um mundo tomado de imagens: “Em um mundo tão facilmente satisfeito com imagens, é fácil demais desperdiçar nossas vidas assistindo televisão e desperdiçando nosso tempo livre com entretenimento. Nós temos um chamado maior. Deus nos chamou para viver nossa vida por fé e não por vista – e isto significa nada menos que comprometer nossas vidas com a busca da linguagem, revelação e grandes livros”
página 69.

A importância da imaginação: “a nossa imaginação secundária é essencial para a nossa busca de santidade (...) Nós imaginamos porque Deus imagina. Na verdade, antes mesmo de o mundo existir, tudo já existia simplesmente na imaginação de Deus” página 118.

Recomendo fortemente a leitura deste livro.

Na próxima postagem falarei um pouco do livro Como ler livros, de Mortimer Adler. Outro manual do qual podemos tirar muito proveito.

Deixo aqui também a série de vídeos sobre o livro Lit! produzido pelo Pr. Pedro Pamplona. O primeiro vídeo da série está abaixo:

Imagem: Pixabay.

quinta-feira, 17 de novembro de 2022

Como escolher e avaliar um bom livro?

Segundo o livro Lit, de Tony Reinke, há 130 milhões de livros publicados no mundo, dentre os quais dezoito milhões nos Estados Unidos. Um amigo, envolvido com o mercado editorial, me informou em 2020 que a Câmara Brasileira do Livro (CBL) aponta que 3 milhões destes 130 estão publicados no Brasil.

Se você for um leitor bastante eficiente – digamos que leia 30 livros por ano – conseguirá ler uma fração muito pequena, diminuta, deste amontoado. Em 80 anos terá lido 2400 livros – 0,08% dos 3 milhões já publicados. Atenção: é menos que a décima parte de 1%. E quando você estiver com 80 anos, este número de 3 milhões já terá crescido muito.

Como escolher, entretanto, um bom livro para levar para casa? Qual o crivo? Se é uma narração, como escolher uma em detrimento de outra? Se é um texto dissertativo, como avaliar?

Certamente que a escolha do que vamos ler deve levar em consideração a qualidade do conteúdo e a reputação dos autores. É preciso saber observar se há bons argumentos, numa estrutura argumentativa clara, bem expressa e consistente. Também há prazer em ler um texto, uma história, bem escrita, que consegue se comunicar com os leitores e combinar estilo, fluência, beleza e respeito à norma culta. Obras com linguagem mais rebuscada têm seu espaço e seu público, que é mais segmentado.

Com base nisso, as duas próximas postagens no blog apresentarão breves reviews de dois livros que ajudam a responder estas (e outras) perguntas.

Daqui a 15 dias falo um pouco sobre Lit!: Um guia cristão para leitura de livros.

Imagem: Flickr.

quarta-feira, 16 de novembro de 2022

Uma breve apresentação. Uma repaginada.


Este blog é um projeto antigo o qual eu decidi fazê-lo ressurgir no ano de 2022.

Desde jovem gostei de escrever, mas desde a ascensão do YouTube, redes sociais, em especial Instagram e TikTok, minha impressão é que as pessoas estão cada vez menos acostumadas a assimilar conteúdos através da leitura. Um vídeo curto, os 15 segundos de um story, os minutos rápidos de um reels, os 144 ou 288 caracteres de um twitter, criaram um cenário onde queremos a informação ou o entretenimento rápido, simplificado, mastigado.

Há um paradoxo: quanto menor o conteúdo que consumimos, maior é o tempo que gastamos naquela rede social. O algoritmo procura maximizar isso.

Este blog é uma tentativa pessoal de incentivar a mim mesmo e quem estiver navegando aqui pela internet, a ir a outra mídia: os livros, os textos, sejam eles impressos ou ou não.

Tentarei trazer a este ambiente resenhas, observações, reviews de livros que eu já li ou estou lendo. Eventualmente alguns devocionais e estudos bíblicos também vão pulular por aqui.

Seria muita pretensão minha tentar remar contra a maré. Por isso, não descarto a possibilidade de, no futuro, passar alguns desses conteúdos para o Youtube ou para algum podcast.

De antemão, destaco: os temas que mais leio, mais me interesso e, portanto, os que provavelmente mais aparecerão por aqui são cristianismo, negócios e ficção (em especial fantasia e ficção científica).

Obrigado por vir a este espaço. Espero que goste

Imagem: Pixabay.